Foram necessários 124 GPs para que Rubens Barrichello conseguisse, de forma brilhante, triunfar pela primeira vez na Fórmula 1, há exatos 20 anos.
E para trazer mais detalhes sobre esta vitória, a primeira das 11 que conseguiu na Fórmula 1, Barrichello falou com exclusividade ao Portal Terceiro Tempo para esta matéria especial alusiva à conquista maiúscula alcançada no GP da Alemanha de 2000, relembrando vários momentos da prova e bastidores da comemoração.
Ele mencionou, entre outros aspectos, o detalhe sobre um pneu, o dianteiro esquerdo, que ficou "quadrado" após uma freada na terceira chicane.
"O meu maior medo era esse pneu explodir", recorda-se Barrichello, que ainda explicou a estratégia que adotou partindo do 18º lugar no grid, incluindo uma configuração aerodinâmica que acabou sendo importantíssima para ganhar posições.
Competindo pela Fórmula 1, Barrchello já havia subido sete vezes ao pódio, sempre com terceiros lugares, uma pela Jordan, em 1994 (no GP do Pacífico, em Aida, no Japão), três pela Stewart, todas em 1999, em San Marino, França e Europa (Nurburgring) e outras três pela Ferrari, em 2000, na Espanha, França e Áustria.
E a perspectiva, por conta dos problemas que enfrentou na classificação para o GP da Alemanha (em Hockenheim) não era das melhores, pois ele conseguiu apenas o 18º lugar no grid para a corrida disputada em 30 de julho de 2000.
E isso tem uma explicação, pois seu carro teve problemas elétricos e ele entrou para buscar sua volta rápida nos minutos finais da classificação, com o asfalto já molhado, condição que a maioria dos pilotos não havia enfrentado.
"Só o fato de eu ter conseguido me classificar com o carro em uma pista que já estava molhada tinha sido positivo, e eu só me classifiquei em 18º porque eu saí nos cinco minutos finais da classificação. Mas eu estava chateado, eu achava que chegaria entre os cinco primeiros, e eu cheguei ao quinto lugar muito cedo na prova. Eu estava muito rápido e já tinha decidido com o Ross Brawn, e ele achava que eu não deveria fazer isso, mas eu falei que eu queria vir ultrapassando e minha maior chance seria com duas paradas porque eu seria rápido o tempo inteiro."
Claro, com um carro de ponta no velho traçado alemão, que à época contemplava longas retas, não era difícil pressupor que Barrichello tinha amplas condições para que em poucas voltas estivesse figurando entre os primeiros colocados.
Com sua Ferrari #4 impulsionada pelo poderoso e confiável V10 aspirado de 3.0 litros, Rubens optara por começar a corrida com um carro mais leve, com menos combustível (na época o reabastecimento era permitido), e já era o décimo colocado ao término da primeira volta. Neste giro inicial foram seis ultrapassagens e duas posições que ganhou com os abandonos do companheiro de equipe Michael Schumacher e de Giancarlo Fisichella (Benetton), que deixaram a prova após se tocarem.
"Eu fazia volta rápida atrás de volta rápida. Coloquei mais asa no carro, porque com o tanque um pouco mais vazio eu poderia pegar o vácuo daqueles que andavam muito na reta, e foi assim."
A partir de então, o favoritismo recaiu sobre os dois carros da McLaren-Mercedes, com o finlandês Mika Hakkinen e o escocês David Coulthard, o pole.
Hakkinen, que largou em quarto, assumiu a liderança ainda no primeiro giro, aproveitando-se da preocupação de Coulthard, que fechou Schumacher. Coulthard, por sinal, só ocupou o primeiro lugar no momento em que Mika parou nos boxes para troca de pneus. A dupla de Woking parecia se encaminhar para uma tranquila dobradinha.
Porém, um ingrediente que sempre costuma desandar a ordem natural das corridas protagonizou o nublado domingo na região da Floresta Negra alemã: a chuva.
Rubens Barrichello apostou suas fichas em manter-se com pneus para piso seco quando a maior parte da pista, então com 6.823 metros de extensão, estava muito molhada. A dupla da McLaren e os demais concorrentes foram mais conservadores.
UM CORPO ESTRANHO...
Antes, o pelotão acabou sendo reagrupado por conta de uma invasão de pista, na volta 21, um francês que fazia um protesto contra a Mercedes. Ele havia sido demitido pela montadora alemã após 20 anos de trabalho, por problemas de saúde. O insólito acontecimento obrigou a direção de prova acionar o safety-car. Naquele momento, Barrichello era o quinto colocado, prestes a ganhar mais uma posição, do espanhol Pedro de la Rosa (Arrows).
"As coisas começaram a acontecer com o cara que invadiu a pista. Com o safety-car, mudou a plataforma, porque aí eu já estava no mesmo número de paradas da galera, e isso ajudou tremendamente para eu poder desenvolver o ritmo da corrida."
Assim, em um GP que parecia muito difícil para que Barrichello conseguisse vencer pela primeira vez na F1, um quadro consagrador começava a ganhar tintas fortes, vermelhas.
Havia muita água em boa parte do traçado alemão, e o piloto brasileiro precisou usar de toda habilidade e concentração para não deixar a vitória escapar nas voltas finais. O brasileiro assumiu a liderança restando dez voltas para o término, controlando de maneira exemplar sua Ferrari em condições adversas, após assegurar a seu chefe, Ross Brawn, que poderia lidar com a situação, guiar com pneus slick no piso molhado de Hockenheim. Seria sua chance de vitória.
OS FREIOS ESTAVAM ÓTIMOS, MAS TINHA UM PNEU...
Segundo Barrichello, os freios estavam ótimos na parte final da prova, mas ele tinha um problema com o qual estava precisando lidar há algum tempo: o pneu dianteiro esquerdo havia ficado "quadrado" após uma freada na terceira chicane.
"Os freios no final da prova estavam ótimos. O que estava ruim era o pneu dianteiro esquerdo, porque eu travei roda na terceira chicane e esse pneu ficou `quadrado´. E a gente está falando de Hockenheim, que é acima de 330 quilômetros por hora, você praticamente não vê a pista. E travou porque numa hora com a pista meio molhada eu freei dentro e o carro iria passar direto e eu consegui parar, e foi numa dessas que o pneu `enquadrou´. E o meu maior medo era esse pneu explodir, porque eu até brinco, mas o carro parecia uma `carroça´, por tremer tanto, mas resistiu bem. Esse era o meu único problema, fora a chuva também, que eu já tinha `batido o pé´ que eu iria permanecer na pista, então eu tinha que fazer funcionar (a estratégia)."
Quando o carro escarlate surgiu no trecho conhecido como "estádio", muitos espectadores acionaram suas buzinas manuais, e em meio a uma densa cortina de água, Barrichello foi diminuindo a distância em relação à linha de chegada para aquela que foi a primeira de suas 11 vitórias na Fórmula 1, seguido por Mika Hakkinen (a 7s452) e David Coulthard (a 21s168).
Pelo rádio, Ross Brawn elogiou a performance do brasileiro:
"Foi simplesmente inacreditável, inacreditável, grande atuação", disse Ross.
No pódio, Hakkinen e Couthard compartilharam da alegria do brasileiro, então com 28 anos, erguendo-o ao alto na efusiva comemoração.
DEPOIS DO PÓDIO...
Barrichello lembra com carinho sobre o quanto foi saudado após a coletiva, até chegar ao caminhão da Ferrari, recebendo abraços de mecânicos com quem tinha trabalhado, sobretudo os de sua ex-equipe, a Stewart, que em 2000 mudou de nome para Jaguar, mas mantinha boa parte da estrutura, e sobre a felicidade de Schumacher com sua conquista.
"Os momentos após o pódio são sempre um retrato que a gente viu, com muita gente comemorando, minha primeira vitória demorou. As pessoas tinham em mente de que com tudo o que eu ganhei em categorias menores eu ganharia mais cedo na Fórmula 1, então foi muito gostoso ver o quanto querido eu era ali, naquele momento. E no caminho você dá a coletiva, e tinha muita gente alegre, foi inspirador, e demora muito para você chegar até o caminhão, porque você vai parando, as pessoas vem pra te abraçar, mecânicos com quem eu já tinha trabalhado, o pessoal todo da Jaguar, que no ano anterior era a Stewart (sua ex-equipe, pela qual competiu entre 1997 e 1999), e eles saíram todos para me abraçar. E na Ferrari tinha champanhe pra fazer um brinde, ou seja, foi muito legal. Não deixamos de ter a reunião que a gente sempre tinha após a corrida, e a própria cara do Schumacher era muito boa, ele estava muito feliz por mim naquele dia."
COMEMORAÇÃO NA INGLATERRA
Após a comemoração no autódromo alemão, Barrichello embarcou para a Inglaterra com Luciano Burti, que havia comentado a prova pela Globo ao lado de Reginaldo Leme, e com narração de Galvão Bueno.
"Eu voltei naquele dia para a Inglaterra para encontrar a Silvana (ex-esposa). E eu lembro, chegando, tinha balões, uma super comemoração. O Burti (Luciano) viajou de volta comigo no avião, enfim, foi uma alegria para todos. E uma das maiores alegrias que eu tenho é quando as pessoas me param na rua para me dizerem onde elas estavam quando eu ganhei em Hockenheim, é um toque de gentileza, eu adoro mesmo."
E O CARRO DA VITÓRIA?
Indagado sobre o paradeiro da Ferrari F1-2000 de numeral 4 com a qual venceu pela primeira vez na categoria, Rubens acredita que ela deva estar em Maranello, no acervo da escuderia italiana.
"Olha, eu não tenho conhecimento, mas com certeza esse carro deve ser da Ferrari ainda. Eu não sei quantos carros eles mantém por ano. Eu nunca tive muito apego a isso. Sinto falta, eu deveria ter uma Ferrari comigo, com certeza, mas a história fez com que eu tivesse uma Jordan e uma Honda. Mas esse carro deve estar com a Ferrari sim, com certeza."
E O TROFÉU DA VITÓRIA FOI PARA ALGUÉM MUITO ESPECIAL...
O destino do primeiro troféu por uma vitória na Fórmula 1 não poderia ser outro que não as mãos de Rubão Barrichello, seu pai, que não mediu esforços para que o filho pudesse tornar-se piloto, desde o kart até chegar ao topo do automobilismo mundial.
"Meu pai não estava lá, estava só a Silvana. Em 2000 as crianças estavam sendo planejadas, ainda não estavam por aqui. Demorei para ver o meu pai, e o troféu foi direto para ele, eu dei o troféu da minha primeira vitória para o meu pai, por tudo o que ele fez por mim."
DEPOIS DA PRIMEIRA VITÓRIA...
Rubens Barrichello não ganhou mais nenhum GP naquele ano de 2000, terminando o certame na quarta colocação. O título foi de Schumacher, o primeiro do alemão pelo time italiano, feito que ele repetiria consecutivamente até 2004.
Seguindo pela Ferrari, Barrichello passou 2001 sem vitórias (terminou o campeonato em terceiro lugar), mas em 2002 viveu seu ano mais vencedor, com quatro triunfos, nos GPs da Europa (Nürburgring), Hungria (Hungaroring), Itália (Monza) e Estados Unidos (misto de Indianápolis), fechando o campeonato como vice-campeão.
Em 2003, duas vitórias: Grã Bretanha (Silverstone) e Japão (Suzuka), ano em que concluiu na quarta colocação.
Suas últimas vitórias pela Ferrari aconteceram em 2004, nos GPs da Itália (Monza) e China (Xangai), mais um vice-campeonato, totalizando nove vitórias pela equipe de Maranello.
Suas duas últimas vitórias na Fórmula 1 aconteceram em 2009, no redentor ano pela Brawn-GP, após três temporadas pela Honda. O carro, ainda desenvolvido pela Honda, contou com o propulsor da Mercedes quando a montadora japonesa decidiu deixar a categoria ao final de 2008.
Ross Brawn, então chefe da Honda, foi quem assumiu o controle do time, o batizou com seu sobrenome e o fez campeão entre os construtores e pilotos, com o britânico Jenson Button conquistando o título de 2009.
Além do ganho mecânico, o carro foi concebido com uma inovação aerodinâmica na parte traseira, o chamado difusor duplo, que as demais equipes tentaram copiar mas sem o mesmo êxito.
Barrichello terminou a temporada em terceiro lugar, com vitórias nos GPs da Europa (Valência) e Itália (Monza), por sinal, as duas últimas de um piloto brasileiro na Fórmula 1, país que no total soma 101 vitórias, sendo 41 de Ayrton Senna, 23 de Nelson Piquet, 14 de Emerson Fittipaldi, 11 de Rubens Barrichello, 11 de Felipe Massa e uma de José Carlos Pace.
FIM DA BRAWN-GP, CONTRATO COM A WILLIAMS, INDY E STOCK
A Mercedes acabou comprando a Brawn-GP ao final de 2009 e se transformou na principal equipe da Fórmula 1 a partir de 2014, vencendo todos os campeonatos de construtores e de pilotos desde então, cinco com Lewis Hamilton e um com Nico Rosberg.
Barrichello assinou contrato com a Williams-Cosworth, onde permaneceu em 2010 e 2011, mas não voltou a subir ao pódio naquelas que foram suas duas últimas temporadas na Fórmula 1. Seu melhor resultado foi no GP da Europa, em Valência, ocasião em que terminou na quarta colocação.
Porém, o momento marcante do brasileiro pela Williams foi a ultrapassagem espetacular sobre Michael Schumacher (Mercedes) no GP da Hungria de 2010, quando Barrichello por pouco não bateu no muro da reta de chegada, espremido pelo alemão.
Recentemente afirmou que recebeu uma proposta para correr pela McLaren-Mercedes em 2010, mas já havia firmado contrato com o time de Frank Williams. Jenson Button acabou sendo contratado pela McLaren e formou dupla com Lewis Hamilton. Button fechou o campeonato em quinto e Hamilton em quarto lugar. Sebastian Vettel foi o campeão da temporada, vencendo o primeiro de seus quatro campeonatos na F1.
Em 2012 disputou a temporada completa da Fórmula Indy pela KV-Racing/Chevrolet, tendo como companheiro de equipe seu grande amigo Tony Kanaan, concluindo o ano em 12º lugar, com um quarto posto como seu melhor resultado, no traçado misto de Sonoma (Califórnia).
Nas 500 Milhas de Indianápolis, com uma boa adaptação ao traçado oval, largou em décimo e terminou em 11º, sendo o melhor entre os estreantes daquela edição.
Ainda em 2012, disputou as três últimas etapas da temporada da Stock Car, pela Full Time Sports.
Desde 2013 integra a equipe Full Time Sports, pela qual conquistou o título da temporada de 2014. Entre suas 14 vitórias até agora, ganhou por duas vezes a "Corrida do Milhão", em 2014 e 2018, ambas em Goiânia, a primeira delas no traçado tradicional e a segunda no anel externo.
Aliás, falando em Goiânia, no último domingo (26) ele venceu mais uma vez no circuito, na corrida 2 da Stock, alcançando seu quinto triunfo na capital de Goiás, deixando a cidade na liderança do campeonato.
O próximo compromisso do piloto é no dia 23 de agosto, a Corrida do Milhão, em Interlagos (SP).
TODAS AS VITÓRIAS DE RUBENS BARRICHELLO NA F1
1ª GP da Alemanha/2000 - Hockenheim (Ferrari)
2ª GP da Europa/2002 - Nurburgring-ALE (Ferrari)
3ª GP da Hungria/2002 - Hungaroring (Ferrari)
4ª GP da Itália/2002 - Monza (Ferrari)
5ª GP dos Estados Unidos /2002 - Indianápolis (Ferrari)
6ª GP da Grã-Bretanha/2003 - Silverstone (Ferrari)
7ª GP do Japão/2003 - Suzuka (Ferrari)
8ª GP da Itália/2004 - Monza (Ferrari)
9ª GP da China/2004 - Xangai (Ferrari)
10ª GP da Europa/2009 - Valência-ESP (Brawn GP-Mercedes)
11ª GP da Itália/2009 - Monza (Brawn GP-Mercedes)
RELAÇÃO DE POLES DE RUBENS BARRICHELLO NA F1
1ª GP da Bélgica/1994 (Jordan-Hart)
2ª GP da França/1999 (Stewart-Ford)
3ª GP da Austrália/2002 (Ferrari)
4ª GP da Áustria/2002 (Ferrari)
5ª GP da Hungria/2002 (Ferrari)
6ª GP da Hungria/2003 (Ferrari)
7ª GP do Brasil/2003 (Ferrari)
8ª GP da Inglaterra/2003 (Ferrari)
9ª GP do Japão/2003 (Ferrari)
10ª GP dos Estados Unidos/2004 (Ferrari)
11ª GP da Itália/2004 (Ferrari)
12ª GP da China/2004 (Ferrari)
13ª GP do Brasil/2004 (Ferrari)
14ª GP do Brasil/2009 (Brawn GP-Mercedes)
Agradecimentos especiais a Rubens Barrichello, pela atenção e gentileza com nossa reportagem, e à jornalista Fernanda Gonçalves, assessora de imprensa da Full Time Sports, equipe do piloto na Stock Car.
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