Exceto se você gostar muito de MPB, independente da idade, precisou ter nascido em meados dos anos 60, começo dos 70 no máximo, para ter compreendido o título da crônica: Monsieur Binotto.
É um trocadilho.
Assistindo um programa de boa (ótima) música pela tevê na semana passada, me deparei com um espetáculo (não foi uma live, não aguento mais lives...) da Joyce, que depois passou a assinar Joyce Moreno.
Tentando não bancar o abelhudo, acho que ela nem precisava ter acrescentado o seu sobrenome. Joyce já era forte o suficiente.
O inverso daquilo que aconteceu com o Chico Buarque de Hollanda, por exemplo.
Chico já basta.
Lembro da Joyce nos bons (não ótimos) festivais de música da Globo, os chamados "MPB" e "MPB Shell", este a partir de 1981, que catapultaram muita gente boa (e ótima, como a Joyce) ao cenário da MPB, um período musical descontaminado da pandemia de letras com lamúrios dirigidos a corneados e corneadas.
"Clareana" foi a canção que a Joyce levou para um deles, o de 1980, uma declaração de amor às suas filhas Clara e Ana "e a quem mais chegar", como ela mesma escreveu na letra que compôs. Anos depois chegou mesmo, a Mariana, sua terceira filha.
Sua apresentação no festival foi terna, de uma mãe plena (como deveriam ser todas as mães), com seu dedilhar suave nas cordas do violão.
A melodia é linda e a letra é de uma doçura de passar a língua pelos lábios e raspar o pote com os dedos, até se fartar.
A música nem foi a campeã daquele festival (venceu a agonizante "Agonia", de Oswaldo Montenegro), mas a cantora ficou conhecida desde o calor do Oiapoque até o friozinho do Chuí.
Joyce é uma espécie de bossanovista pós bossa nova.
Eu disse bossanovista. Não confundir com palavra de sonoridade semelhante, que remete ao demônio encarnado.
A bossa nova deveria entrar para o time dos patrimônios imateriais da humanidade, lugar onde hoje estão cinco elementos artísticos brasileiros: roda de capoeira, frevo, círio de nazaré, samba de roda e arte kusiwa (dos índios Wajãpi, do Amapá).
Falei da canção "Clareana", mas foi outra que me serviu de inspiração ao texto: "Monsieur Binot", também de autoria da Joyce.
Foi essa música que ouvi quando estaquei no canal que exibia seu show naquela noite.
"Monsieur Binot" fala de um sujeito naturalista, Vitor Binot, uma espécie de guru para Joyce, alguém que influenciou toda uma geração, incluindo artistas antenados com uma vida mais saudável, como Gilberto Gil e a própria Joyce.
Binot morreu jovem, antes dos 30 anos, de leucemia.
Joyce descreveu alguns conselhos propostos por Binot, e em um dos versos mais inspirados, derrama:
"Bom é não fumar, beber só pelo paladar, comer de tudo que for bem natural e só fazer muito amor, que amor não faz mal..."
Eu não poderia deixar de escrever algo sobre isso, por mais que isso aparentemente nada tivesse a ver com automobilismo, meu assunto habitual por aqui.
Mas Binot se aproxima de Binotto, o chefe da Ferrari na Fórmula 1.
O cara é italiano e monsieur é uma palavra francesa...
Misturei tudo e saiu "Monsieur Binotto"...
Não me julguem pelo trocadilho, mas eu cheguei a ver de perto o Mattia Binotto logo depois do GP do Brasil de F1 do ano passado, atrás dos boxes da Ferrari.
Foi no exato momento em que o flagrei para a foto que ilustra este texto.
Ele estava bem puto, pois seus dois pilotos haviam batido e ficado fora da corrida em Interlagos.
Certamente ele estava muito diferente daquilo que pregava o Monsieur Binot da Joyce.
Em outra parte da música, a cantora e compositora diz:
"Respirar bem fundo e devagar, que a energia tá no ar..."
Isso parecia ser tudo o que o chefe ferrarista precisava naquele momento...
Creio que cuspiu marimbondos pra cima de Vettel e Leclerc.
"O resto é outra encarnação".
É com esta frase que termina a música da Joyce...
ABAIXO, DOIS VÍDEOS COM JOYCE, "MONSIEUR BINOT" E "CLAREANA"
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