Eu estava em Interlagos no dia 25 de março de 1994.
Primeiro, tentando entrar no autódromo, no setor "A", local do meu ingresso para os três dias do GP Brasil de Fórmula 1, estreia de Senna na Williams. Era uma sexta-feira, dia dos dois primeiros treinos livres.
Estava lá como espectador, apaixonado por F1 desde a madrugada de 1976, quando assisti a corrida decisiva do campeonato, o GP do Japão em Monte Fuji, com James Hunt campeão.
Dois parágrafos acima eu disse que estava "tentado entrar no autódromo", e explico o por quê.
Cheguei cedo, como de praxe. Eu não era marinheiro de primeira viagem em GP do Brasil de F1, onde havia estreado nove anos antes, em Jacarepaguá/85, para a abertura daquele campeonato, a estreia do Senna pela Lotus.
Então, rumo a Interlagos, um lugar que eu dominava relativamente bem, deixei meu apartamento em direção ao autódromo na minha querida Marajó prata SL à álcool, e em pouco mais de meia hora consegui uma vaga em uma rua perto do portão de acesso ao setor "A".
Tão cedo a ponto de fugir do assédio dos guardadores de carros. Uma economia de dinheiro considerável, diga-se.
E, tão cedo, que fui o primeiro na fila do setor "A", ansioso para que logo abrissem o cadeado e eu pudesse me acomodar com minha cadernetinha onde eu anotava os tempos dos pilotos pela narração oficial do autódromo.
Não havia internet. O rádio era um grande companheiro, assim como os jornais, revistas e televisão.
O tempo foi passando, a fila aumentando atrás de mim e, de onde eu estava, um portão com grades, trancado por um cadeado, era possível ver o outro lado do circuito, o setor "G", que já tinha muita gente devidamente acomodada.
Estranhei o nosso portão permanecer fechado, até que um funcionário apareceu por lá e tentou abri-lo, trazendo um molho pesado de chaves.
Tentou uma, duas, dez, vinte chaves... E nada de libertar o cadeado...
Para meu desespero, motores começaram a ser acionados nos boxes.
O som era forte, pois eram propulsores V12 (da Ferrari), muitos V10 e outros V8.
Uma deliciosa sinfonia para os ouvidos nada comparável ao zunido de abelhas dos carros de hoje.
Outro funcionário apareceu, tentou mais uma chave e também não conseguiu abrir o robusto cadeado.
Aí, eu percebi que a coisa estava sem rumo, semelhante a um governo que conheço.
Chamei um dos funcionários que estava na trupe atrapalhada e falei se não podia trazer um martelo.
O cadeado estava voltado para o lado de fora do portão.
Em alguns minutos, apareceu o martelo eu fui o incumbido de quebrar o cadeado sem nenhuma cerimônia.
A turma atrás de mim aplaudia e gritava palavras de incentivo
Depois de pouco mais de um minuto consegui quebrar o dito cujo que liberou nossa passagem para as catracas.
Acomodado no cimento gelado, com um pouco de dor na mão direita, vi justamente o carro da minha equipe favorita passar em frente a mim, a Ligier do Olivier Panis.
Alguns minutos depois, Ayrton Senna com a Williams.
Eu, que havia visto Senna ao vivo pela Lotus em Jacarepaguá (1985) e tantas vezes pela McLaren em Interlagos, achei estranho vê-lo no carro do time inglês de Grove.
Tudo realmente tinha uma atmosfera estranha.
Ele parecia estar no "fio da navalha" para conseguir superar a Benetton de Schumacher, mas conseguiu a pole.
Na corrida, abandonou, após rodar na "Junção".
Era a etapa de abertura da temporada.
Na terceira corrida ele morreu, em Imola.
Vira e mexe estou em Interlagos, agora a trabalho, cobrindo Stock, Porsche Cup e até Fórmula 1, realização de um sonho.
Preciso passar um dia lá no portão do setor "A".
Será que hoje conseguem encontrar a chave para abri-lo com mais facilidade?
Tranquei uma caixa de recordações naquele ano de 1994.
E, tal qual Pandora, mantenho a esperança lá no fundo.
Presa a cadeado.
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