Por uma razão ou outra, professores costumam ser lembrados por toda a vida de seus alunos e alunas.
No meu caso particular, os da faculdade foram muito menos importantes do que minhas queridas do Primário, vários do Ginásio, a maior parte daqueles do Colegial e quase todos do Cursinho Pré-Vestibular.
Ainda assim, impossível não lembrar daquele que ganhou o equivalente ao Nobel de Geografia (o Prêmio Vautrin Lud), Milton Santos (1926-2001).
Foi meu querido professor no curso de Geografia da USP.
Quem não sabe quem foi Milton Santos, há muita coisa sobre ele na internet, incluindo participações no "Roda Viva" da TV Cultura e no "Jô Soares Onze e Meia".
Perseguido pela ditadura militar após o golpe de 1964 (uma honra, aliás), Milton Santos lecionou na Universidade de Toulouse, na Sorbonne e foi pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets), onde trabalhou ao lado de outro gênio, este ainda vivo, Noam Chomsky.
Um dia, aliás, anos depois de cursar Geografia na USP, encontrei Milton Santos na rampa do lindo prédio da FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas). Ele estava encostado em uma mureta, com um olhar perdido e seu sorriso largo.
Me aproximei, ele lembrou de mim, e ficamos uma meia hora conversando, inclusive sobre Chomsky.
Me sinto um privilegiado por ter partilhado com exclusividade de meia hora ao lado de Milton Santos e, ainda por cima, ter falado com ele sobre Chomsky...
Milton Santos, que falava sempre sorrindo (era incrível isso!), foi a maior autoridade deste País - e possivelmente do mundo -, em termos de Geografia Urbana, aquele que melhor traduziu as misérias das cidades e a malfadada globalização, da qual era um crítico contumaz.
Mas aquilo de que nunca me esqueci, por mais curioso que seja, de todas as aulas que saboreei de Milton Santos, foi o dia em que ele falou qual era a função do "cartão postal".
No final dos anos 80, quando fui seu aluno, as pessoas mandavam cartas umas para as outras, cartões de Natal e, vez por outra, cartões postais.
A definição que Milton Santos tinha para cartões postais era genial.
"A função do cartão postal é apenas uma: a de dizer `eu estou aqui e você, seu bobão, não está´", dizia Milton Santos.
Mais ou menos como acontece hoje nas redes sociais, com chek-ins em restaurantes e bares da moda, poses de autopromoção e caras e bocas para tentar seduzir...
Um exibicionismo que exala soberba...
Vale tudo...
Já vi storie de postulante a subcelebridade fazendo yoga no telhado de uma casa (que não era dela...).
Se o número de seguidores estiver baixo, a estratégia é apelar para um storie sensual...
Certeza de likes...
Quando a pessoa está sem assunto, criaram uma saída: o TBT...
Então, toda quinta-feira, lembram de um momento "marcante", uma passagem que "jamais poderá ser esquecida".
Normalmente é uma foto de algum lugar para causar inveja nos amigos e seguidores.
Uma praia paradisíaca, uma taça de vinho...
Dá para bancar intelectual também.
Neste caso, museus e vernissages são receitas de sucesso...
Fotos com crianças, cães e gatos também arrebatam um séquito de aparvalhados seguidores...
Às vezes nem isso resolve...
No Instagram, por exemplo, a matemática do fracasso é fácil de ser mensurada.
Se a pessoa tem menos seguidores do que segue outros é sinal de fiasco...
Melhor esquecer o sonho de digital influencer, um vazio de dar dó.
Remando contra a maré, temos Sebastian Vettel.
Milionário que não ostenta, diferente de gente que tem pouco e usa o chapéu alheio para exibição...
O piloto da Ferrari sentiu o golpe da chegada do jovem monegasco ao time.
Mas continua sereno.
Posta apenas imagens profissionais em suas redes sociais e voltará mentalmente fortalecido em 2020.
É claro que ele terá de ser competitivo para superar seu companheiro de equipe.
Mas, como dizia Milton Santos (veja no vídeo abaixo), "a competitividade é uma violência sem nome".
ABAIXO, UM POUCO DO GENIAL MILTON SANTOS DURANTE ENTREVISTA A BORIS CASOY
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