O ano de 1991 terminou com uma incerteza das grandes na Fórmula 1: qual seria o destino do francês Alain Prost, então tricampeão, após ter sido dispensado pela Ferrari, equipe pela qual disputou as temporadas de 1990 e 1991?
Sem nenhuma chance de retornar à McLaren, pois Ayrton Senna não concordava em novamente dividir os boxes com seu principal desafeto, Prost tinha uma única alternativa minimamente promissora para a temporada de 1992: a Ligier.
A equipe francesa, que vivera sua melhor fase em 1979 e 1980, quando ficou em terceiro e segundo lugares entre os construtores, respectivamente, rivalizando com gigantes dos calibres de Williams, Brabham, Renault e Ferrari, tinha para 1992 o motor mais cobiçado do grid, o Renault V10 de 3,5 litros aspirado.
O time comandado por Guy Ligier (1930-2015), amargava temporadas apagadíssimas, incluindo a de 1991, com o pouco confiável propulsor V12 da Lambroghini e um chassi problemático, o JS35, que passou o ano inteiro sem pontos nos 16 GPs disputados com a dupla formada pelo belga Thierry Boutsen e o francês Érik Comas.
PROST TESTOU A LIGIER EM JANEIRO DE 1992
Alain Prost, então com 36 anos, havia competido por uma equipe francesa, a Renault, entre 1981 e 1983, tendo sido vice-campeão neste último ano, para depois se transferir para a McLaren, onde conquistaria os títulos de 1985, 1986 e 1989.
Depois do vice-campeonato em 1990 pela Ferrari, Prost teve uma temporada discreta em 1991 (foi o quinto colocado do Mundial) e nem chegou a disputar o último GP, o da Austrália. Ele criticou tanto o carro escarlate que acabou tendo seu contrato sumariamente rompido após a penúltima etapa, o GP do Japão. Prost disse que a Ferrari 643, que estreara na sétima etapa de 1991, parecia um caminhão, comentário que repercutiu da pior maneira em Maranello. O italiano Gianni Morbidelli correu em seu lugar no traçado australiano de Adelaide e terminou em sexto lugar.
O desejo de Guy Ligier em ter Alain Prost era antigo. Depois de uma parceria positiva com o também francês Jacques Laffite, que conquistou seis vitórias pelo time, ter um tricampeão seria a chance de ouro para que a equipe, então sediada em Magny-Cours, pudesse subir de patamar, contando para isso com o apoio da Seita (fabricante dos cigarros Gitanes, principal patrocinador), Loto (loterias da França), além da Elf (lubrificantes e combustíveis) e da própria Renault, fornecedora de motores.
Dinheiro, portanto, não seria problema para a Ligier conseguir amarrar um acordo com Alain Prost, acostumado a somas milionárias nos contratos anteriores, com McLaren e Ferrari.
Assim, em 18 de janeiro de 1992, pouco menos de um mês e meio para o início do campeonato (o GP da África do Sul, em Kyalami, dia 1º de março), Prost esteve no tradicional circuito de Paul Ricard, na França, para testar a JS37 equipada com o portentoso motor Renault.
Em uma época de treinos liberados, até houve uma tentativa de ludibriar a imprensa, e Alain utilizou um capacete do compatriota Érik Comas e um macacão todo branco, logo após Thierry Boutsen ter cumprido alguns giros com o carro na pista francesa, sempre sob a supervisão de Guy Ligier, que demonstrava apreensão, fumando enquanto acompanhava os trabalhos nos boxes.
Nesse instante, segundo matéria da ocasião publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", assinada pelo jornalista Wagner Gonzalez, os mecânicos da Ligier fecharam as portas da garagem. E também as portas do motorhome foram cerradas para que a presença de Alain Prost pudesse passar despercebida.
Porém, todos sabiam que Alain estava junto ao estafe da Ligier naquela fria manhã de inverno em Le Castellet.
APENAS QUATRO VOLTAS E DUAS QUEBRAS...
No primeiro dia com a JS37, Prost já teve um aperitivo sobre um modelo não bem nascido. O carro quebrou duas vezes e ele completou apenas quatro voltas na sessão coletiva, que teve liderança do italiano Riccardo Patrese (Williams-Renault), que cravou sua melhor passagem em 1min03s40. Prost ficou em quarto entre os sete que foram ao traçado de Paul Ricard, com 1min04s79.
Alain Prost voltou a andar com o carro da Ligier nos dias 24 e 25 de janeiro, em sessões fechadas, e o mistério sobre sua contratação permaneceu até a véspera da abertura da temporada na África do Sul, quando Guy Ligier acabou anunciando para 1992 a mesma dupla do ano anterior, com Boutsen e Comas.
AS IMPRESSÕES DE ALAIN PROST SOBRE A JS37
A Ligier JS37 tinha um desenho moderno, seguindo a tendência dos carros da época, assemelhando-se um pouco à Jordan, com o bico ligeiramente mais alto e as laterais fazendo um contorno sinuoso até a traseira, projeto de autoria do britânico Frank Dernie com supervisão do francês Gerard Ducarouge, este o responsável pelas principais conquistas da Ligier, desde sua primeira temporada, em 1976.
Elegante, Alain Prost não teceu qualquer comentário desabonador sobre o carro da Ligier, mas desistiu da empreitada por perceber que o chassi não fazia jus ao motor Renault, cobiçado por muitas equipes na ocasião.
Com toda a experiência acumulada ao longo de 12 temporadas na Fórmula 1, Prost avaliou que a JS37 não seria páreo para Williams-Renault, McLaren-Honda e Benetton-Ford, e isso ficou evidente ao término de 1992.
A Williams nadou de braçadas, com o título de NIgel Mansell e o vice de Riccardo Patrese, que levaram o time britânico ao título entre os construtores. A McLaren, com Ayrton Senna e Gerhard Berger foi a vice-campeã entre os times e Michael Schumacher (Benetton-Ford) fechou o ano em terceiro lugar.
A Ligier, de fato, apesar do ótimo motor Renault, fez uma temporada muito ruim, com apenas seis pontos (quatro de Comas e dois de Boutsen), sendo a oitava colocada entre os construtores.
Prost, por sua vez, viu a temporada de 1992 de sua casa, para retornar em grande estilo para o ano de 1993, pela Williams-Renault, quando conquistou seu quarto título na Fórmula 1 para em seguida deixar o time e o cockpit para Ayrton Senna, que acabou morrendo em consequência do acidente que sofreu na curva Tamburello durante o GP de San Marino, em Imola, no dia 1º de maio de 1994.
NELSON PIQUET TAMBÉM ESTEVE NO "RADAR" DA LIGIER
O brasileiro Nelson Piquet foi outro nome ventilado pela Ligier para 1992. Depois de deixar a Benetton ao término de 1991, equipe comandada por Flavio Briatore que contava com a estrela Michael Schumacher em ascensão, Nelson poderia ser uma alternativa muito interessante para desenvolver o carro francês, pela sua conhecida aptidão nesta função.
Porém, Piquet havia tido experiências frustrantes com a dupla de projetistas Ducarouge/Dernie na Lotus, em 1988 e 1989, e este foi o principal entrave para que ele pudesse defender a equipe de Guy Ligier, que contava exatamente com estes projetistas na ocasião.
Piquet, em diversas oportunidades vociferou contra a Lotus naquelas temporadas, afirmando que só assinou com o time britânico pelo aspecto financeiro, após sua passagem pela Williams (onde conquistou seu terceiro campeonato, em 1987). Vale lembrar que a Lotus contava à época com um aporte dos mais robustos, graças ao patrocínio da Camel (cigarros).
PROST E NOVA APROXIMAÇÃO COM A LIGIER, AGORA PARA COMPRÁ-LA...
Alain Prost acabou por comprar a equipe Ligier no final de 1996, rebatizando-a para Prost Grand Prix para 1997. O início foi promissor, com o sexto lugar entre os construtores, com a dupla Olivier Panis e Shinji Nakano. O carro, então, contava com o motor Mugen-Honda. Nos anos três seguintes a Prost Grand Prix competiu com motores Peugeot e em seu último ano na F1, com o propulsor batizado de Acer, que na verdade era Ferrari. Em cinco temporadas, o time de Alain Prost não conseguiu nenhuma vitória e nenhuma pole. Como melhores resultados, dois pódios, ambos de Olivier Panis em 1997, nos GPs do Brasil e da Espanha, em segundo e terceiro lugares, respectivamente.
ABAIXO, IMAGENS DE ALAIN PROST NOS BOXES DA LIGIER EM PAUL RICARD (FRANÇA) NO DIA 18 DE JANEIRO DE 1992 E, EM SEGUIDA, TESTANDO A JS37 EQUIPADA COM MOTOR RENAULT
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