Já contei neste espaço, em detalhes, minha estreia em um autódromo, para acompanhar o GP do Brasil de Fórmula 1 de 1985, no extinto Jacarepaguá. Está aqui.
Fui ao Rio de Janeiro com a expectativa aguçada para poder ver e ouvir de pertinho aquele mundo que eu conhecia apenas pela televisão, desde a minha mais remota lembrança, o GP do Japão de 1976, aquele retratado no filme "Rush", por meio da minha pequena TV Baby Empire de gabinete plástico cor de laranja. O mundo era em preto e branco.
O primeiro treino que assisti foi o classificatório da sexta-feira, pessimamente acomodado na arquibancada de madeira caindo aos pedaços.
Eu, acostumado a jogos de futebol no Pacaembu, Morumbi, Canindé e Palestra Itália, percebi que o público da Fórmula 1, ao menos ali em Jacarepaguá, era tratado com desdém.
Assistir um jogo da várzea no campo do Centro da Coroa, ao lado da Ponte da Vila Guilherme, junto ao alambrado, era mais confortável.
Voltando à vaca fria...
A primeira coisa que me chamou atenção debaixo daquele sol inclemente carioca de abril foi o nada vermelho em meio ao branco dos carros da McLaren de Lauda e Prost.
Era quase cor de rosa, mas que, curiosamente, por conta da péssima definição de linhas dos aparelhos de TV dos anos 80, ficava diferente.
Outra coisa legal, óbvio, era o preto e dourado da Lotus, mas no caso daquela de Senna, era ainda mais bacana por conta do capacete do brasileiro que fazia sua segunda temporada na F1, um amarelo cítrico, marca texto, quase um verde limão.
Uma cor que deve ter deixado os daltônicos desesperados...
O primeiro dos cinco sentidos, a visão, estava, portanto, bem representada, logo de cara.
Mas ainda tinha o azul da Ligier, minha equipe favorita, o verde folha com branco da RAM, o amarelo e preto da Minardi, que remetia à camisa do Peñarol e, claro, o vermelho da Ferrari.
E isso apenas para falar do que estava ali na pista, pois antes de chegarmos ao autódromo, pela janela do ônibus da excursão, vi a cidade coalhada de outdoors da John Player Special, a cigarreira que apostava suas fichas em Senna, então debutando pela Lotus.
Depois da visão, a audição ganhou minha atenção.
Havia um predomínio dos motores turbo, mas a Tyrrell e a Minardi andavam com os velhos Cosworth aspirados.
Entre os turbos, bem mais ruidosos que os atuais, havia uma diferença bem grande de tons e semitons, e era possível distinguir os TAG-Porsche da McLaren em relação aos Renault da própria equipe francesa e da Ligier e o também turbo da Ferrari.
Em comum, todos tinham uma tonalidade mais grave, comparados aos agudos dos Cosworth, que "gritavam" muito mais, um quase desespero para tentar, em vão, andar no vácuo dos turbo...
Ardia os tímpanos, como anos mais tarde, ouvindo do Setor A de Interlagos a sinfonia dos V12 da Ferrari e os V10 da Renault e Mugen-Honda da Ligier. Mas isso eu conto outro dia...
Por fim, o outro dos cinco sentidos que senti naquele meu primeiro contato com aquele mundo dos sonhos foi o olfato.
Eu estava no longo retão, mais perto da freada da Curva Sul, portanto o cheiro da borracha fritando no asfalto não passou despercebido.
Tampouco o cheiro da gasolina.
Diziam, na época, que se você pegasse um conta gotas com o combustível daquela F1 e pingasse em direção ao chão, a gota evaporava pelo caminho.
Sim, era possível sentir aquele cheiro de gasolina que ardia os olhos, parecido com aquele de gasolina azul que eu sentira por anos, quando acontecia do meu pai parar atrás de um Dodge Charger R/T no Posto Can-Can da Rua Maria Cândida, na Vila Guilherme.
De um tempo para cá eu tenho estado em Interlagos para acompanhar a Fórmula 1, não mais como espectador, mas como jornalista.
É claro que eu carrego dentro de mim aquele menino que assistiu o GP do Japão de 1976, e também o adolescente que esteve em Jacarepaguá em 1985.
E, por isso, felizmente, fico atento aos sentidos que a Fórmula 1 contempla.
O som dos carros não é mais o mesmo, mas ainda me provoca arrepios da "varanda" da sala de imprensa, junto ao "S" do Senna.
Fico ali por alguns minutos, logo que os carros saem para o primeiro treino livre, na sexta-feira.
Só eu sei o que sinto com aquilo...
O cheiro da borracha ainda está ali, mas o da gasolina simplesmente não existe mais.
Os carros são inodoros.
Ultimamente, por conta da incansável busca por redução de peso, a maior parte das equipes simplesmente deixou de comprar latas de tinta e deixam seus monopostos nus e crus, na fibra de carbono.
O A524, carro da Alpine, que ilustra esta crônica, beira o descaso.
Colaram os adesivos dos patrocinadores por cima da carenagem bruta.
É um tiro no pé para a Fórmula 1 perder um de seus maiores apelos, a beleza das cores, assim como fez com o som dos motores.
Bom, restaram dois sentidos: o paladar e o tato.
Estes dois me foram apresentados na função de jornalista.
O primeiro, o café servido no paddock, pela Lisa, da Ferrari, a ruiva sempre sorridente e simpática.
É um café espresso como qualquer outro, exceto pelo simples detalhe de ser o mesmo que é sorvido pelos pilotos do time italiano...
Claro, eu sempre guardo os copinhos com o emblema do cavalinho...
O segundo, o tato, eu tive em 2019.
Eu estava atrás dos boxes da Ferrari, quando senti alguém encostar a mão no meu ombro esquerdo.
Era o Vettel, cordialmente pedindo licença para chegar ao seu carro...
Naquele exato instante percebi que meu ciclo dos cinco sentidos com a Fórmula 1 estava completo.
*****************************
COLUNAS ANTERIORES (CLIQUE E ACESSE)
Divagações sobre o primeiro GP da temporada. De 2025...
O justificável "pé atrás" da F1 em relação à Andretti
Falta de equilíbrio é muito boa para a Fórmula 1
Uma dança das cadeiras faria muito bem à Fórmula 1
Igualando recorde de Vettel, missão de Verstappen é não tornar-se um novo Vettel...
Pérez, um coadjuvante com a água pelo pescoço...
Ferrari superestimou Leclerc e agora paga o preço
Ferrari, para sair do jejum, deveria seguir seu próprio exemplo de 1996
Ricciardo na AlphaTauri pinta como ameaça concreta a Pérez na Red Bull
Hamilton nem precisa, mas bem que poderia deixar sua zona de conforto
Sprint deve ser um estorvo para pilotos e equipes da Fórmula 1
Ferrari está tão mal que perde até no "tapetão"
Recesso turbina o trabalho na Fórmula 1
Mundial de F1 de 2008 não vai se transformar em Paulistão/73
A Fórmula E "casaria" melhor com o Rio de Janeiro
Alonso ressurge, mesmo que a Aston Martin não seja uma Brawn-GP
Drugovich lidou bem com o pachequismo. E saiu fortalecido.
Pré-temporada sinaliza para repeteco na Fórmula 1
Carros da Fórmula 1 seguem copiando a Variant
De titular em equipe nanica a reserva de duas gigantes
Ausência de adversário mais forte facilitou a temporada de Verstappen
Se Abel Ferreira fosse Helmut Marko, Verstappen não teria estreado na F1
Columbo teria respostas para a dança das cadeiras na Fórmula 1
Red Bull deveria ter retomado parceria com a Renault
Ferrari precisa aproveitar começo apagado das duas únicas rivais
Pré-temporada da Fórmula 1 será de verdades verdadeiras
Hamilton ou Verstappen: Quem ganha e quem perde com o cancelamento do GP do Japão?
Dupla mais equilibrada deve fazer a Ferrari superar a McLaren
A exemplo da F1, futebol também poderia ter jogos mais curtos
Ou Ricciardo está em péssima fase ou Norris é um fenômeno
Cavalo arriado, mês das noivas, Mônaco e Indianápolis
Dando a partida no carro dos sonhos
O 1º de abril, Lauda e o meu doce Colegial
Aston Marin, Somente Para Seus Olhos
Pré-temporada da Fórmula 1 será de verdades verdadeiras
Molho condimentado na F1 em 2021
Vettel e sua paixão bem resolvida
É possível dizer não à Ferrari?
Interlagos a pé, de carro e uma música do Gilberto Gil
Um piloto fictício, um autódromo e muitos carros eternizados na música brasileira
Calma Mick Schumacher, a viagem é longa e sua hora vai chegar
O capacete e a salvadora blusa lilás
Nosso campo de futebol no Saint Moritz, em Mairiporã. Ou uma pista de rali? E o Pequeninos do Jockey
No `vestibulinho´de fachada da Ferrari, Mick Schumacher tem o `gabarito´da prova...
Quando ganhar sempre não é bom
Ferrari deveria se espelhar na fábrica de Willy Wonka
Beleza da Fórmula 1 também está na desigualdade
Mercedes tem seu Calcanhar de Aquiles
Velozes, mas com ternura. Um contraponto à astronáutica
A grande chance para Verstappen ser campeão na F1
O cadeado de 1994 em Interlagos
Minuano, o carro de Porto Alegre
Fórmula 1/3 merece textos na minha Lettera 22
Ferrari reencontra cartilha do Comendador
Revista Recreio, meu Copersucar de papel e o Ricardo Divila
Jacarepaguá, calor infernal e uma camisa preta
Quase toda F1 `deu de ombros´ao apartheid em 1985
Verstappen, Red Bull e o `tudo ou nada´
Com qual heterônimo Max Verstappen será campeão de F1?
Ferrari, Hamilton e o beijo de Klimt
O Quixote Brambilla e seus carros Rocinantes
A música que Raikkonen sempre cantou para a F1
Bernie, pilotos e equipes. Os bastidores de Interlagos
Acampamento, sala de imprensa e viagem à Lua
Novo carro da F1 dará um `salto´de 22 anos. Para trás...
CLIQUE AQUI PARA ACESSAR A HOME DE AUTOMOBILISMO DO PORTAL TERCEIRO TEMPO
CLIQUE AQUI PARA ACESSAR O CANAL DO BELLA MACCCHINA NO YOUTUBE
Achados & Perdidos: Félix e Ado, ex-goleiros, em um memorável 'Golaço' da extinta Rede Mulher
24/11/2024Saudade: Há quatro anos morria Fernando Vannucci, do bordão 'Alô, você!'
24/11/2024Melhor time do returno, Inter recebe o Red Bull Bragantino, que segue no Z-4; as equipes
24/11/2024Sem Memphis, Corinthians encara o Vasco em busca da sexta vitória seguida; as formações
24/11/2024F1: Verstappen se junta a Prost e Vettel e conquista o tetra. Russell vence em Las Vegas
24/11/2024